“Especialização, hierarquia e centralização, estes fenômenos aparecem em auto-organizações constituídas por grande número de indivíduos.” Com essa afirmação, Edgar Morin, no livro O método 2 – A natureza da natureza, reforça a ideia de que a auto-organização é uma característica natural (e padrão) nos sistemas vivos.
Numa visão epistemológica, o termo auto-organização pode ser considerado um pleonasmo. A organização é um fenômeno originado por influência das inter-relações (associações, ligações, combinações, fluxos contrários, acasos) entre as partes de um sistema complexo. Um sistema é um conjunto de partes que interagem para gerar algum resultado. E somente se olharmos unicamente para essas partes, sem as interações (movimento), veremos que somente nesse momento temos um estado de ordem. Mas a partir do momento que as partes começam a interagir, automaticamente se estabelece um estado desordenado.
Olhando para a ciência, podemos explicar essa relação entre a ordem e a desordem pelos olhos da termodinâmica. Nesse ponto, as partes só estarão ordenadas quando não há troca de energia entre elas. Portanto, se não há troca de energia, não temos um sistema. Um sistema nasce a partir da própria organização. Ainda segundo Edgar Morin: “Para que haja organização, é preciso interações. Para que haja interações é preciso encontro, para que haja encontro é preciso desordem (agitação, turbulência)”. Ou seja, cada parte individual precisa se movimentar (sair da ordem) para dar início ao próprio fenômeno da organização. Esse fenômeno pode ser chamado de “desordem organizadora”.
Morin reforça esse pensamento por meio do princípio dialógico que rege os sistemas complexos. Esse princípio mostra que para sobreviver, um sistema precisa fazer associação de coisas (partes) que ao mesmo tempo são complementares e antagônicas. Como essas partes estão solidariamente conectadas, em termos práticos, um sistema sempre está fazendo um espécie de sincretismo para que o mesmo possa evoluir. Dessa forma, ordem e desordem, competem e cooperam ao mesmo tempo para fazer que um sistema se mantenha saudável.
Reconhecendo essa essência termodinâmica que gera a complexidade, é possível construir a ideia de que a ordem é um estado efêmero. Logo, qualquer tentativa de ordenar esse dinamismo, pode ser considerado uma vã iniciativa. O sistema está sempre se auto-organizando (ou melhor, se organizando).
Retomando a aplicação desse pensamento ao mundo corporativo, é possível entender também que a hierarquia é uma ilusão. Efeitos como hierarquia, especialização e centralização são gerados, curiosamente, pelo próprio jogo de interações e emergências feitas pela auto-organização. Se olharmos para história da humanidade, veremos que antropologicamente esses conceitos emergiram a partir da interação de grandes grupos de pessoas. Em um dado momento da história humana, foi necessário centralizar os recursos e especializar atividades. A partir dessa centralização e especialização, a humanidade teve que centralizar decisões. Nesse momento, temos então o nascimento das hierarquias.
Contudo, a hierarquia é um estado frágil. Com todo o dinamismo, imprevisibilidade singularidades, acasos e interconexões, um sistema complexo não pode ser controlado de maneira centralizada. Na verdade, qualquer iniciativa de controle advindo da hierarquização, é apenas uma forma de reagir aos próprios movimentos gerados pelo sistema.
Nesse ponto, a gestão nunca conseguirá ser mais poderosa que a própria organização. E parafraseando o pensamento do famoso artigo Dancing with Systems, de Donella Meadows: A gestão precisa aprender a dançar conforme a complexidade, ou seja, não é a gestão que rege a sistema, mas sim, o contrário.
Num artigo no blog da Harvard Business Review, Tim Kastelle aborda a ideia que a hierarquia é superestimada (Hierarchy Is Overrated). O ponto central de todo esse texto de Kastelle corrobora e reforça os pensamentos apresentados nesse meu texto. De fato, existe uma tendência natural em acreditar que hierarquização, especialização e centralização, são a melhor solução para organizar uma empresa. Hoje já existem várias empresas (nacionais e internacionais) que estão experimentando ideias que questionam essa crença. É importante ressaltar que a Gestão 3.0 em si, não preconiza a inexistência total de hierarquizações ou especializações, porém, é necessário e saudável entender que uma hierarquia é uma forma míope de representar um sistema complexo. E como uma forma míope, é ineficaz ao tentar controlar e prever todo e qualquer comportamento das pessoas que fazem parte daquele sistema social.
Finalizo esse texto destacando que a intenção de todos os pensamentos acima, não é defender ou evangelizar a complexidade como algo naturalmente bom. Na verdade a complexidade não é a solução, é um problema inextricável e insolúvel. Cabe a nós termos que aprender a lidar/conviver com a complexidade. Da mesma forma, a próprio auto-organização não deve ser considerada como sendo boa, nem ruim. A auto-organização é um fenômeno. É uma característica natural de um sistema complexo. A auto-organização, por si só, pode levar o sistema a algo bom, mas também pode levar o sistema a algo ruim. A diferença está nas restrições criadas e retroalimentadas pelo próprio sistema (e ecossistema). Cabe então a gestão, não criar as restrições em si, mas sim, identificar e torná-las explícitas para que o sistema consiga de auto-organizar (organizar) de forma saudável.
Ae Manoel parabéns pelo artigo é uma pena ainda poucas empresas colocar em prática o que o artigo nos faz refletir sobre o assunto, ou até mesmo passar a pensar sobre.
Exatamente Alan, ainda bem que aqui mesmo no Brasil temos boas empresas como a Webgoal, Bluesoft, Lambda3, Chaordic, OnCast e a própria Adaptworks que estão exercitando esse pensamento. Observe que isso não significa que esse modo de pensar está correto ou é a prova de falha. Mas pelo menos é possível ver que, com esse pensamento, essas empresas são cheias de “ducaralhices” e rentáveis ao mesmo tempo.
Manoel, eu vejo que em muitas empresas o problema não está nas hierarquias em si, mas na forma de uso da hierarquia. A hierarquia não foi criada apenas para controlar, ela tem uma finalidade também de responsabilidade.
Concordo em muitos aspectos do artigo e acredito que precisamos entender melhor uma estrutura para a geração de valor útil, pois muitas vezes às passam a achar que falta de hierarquia é o caminho, mas na verdade o caminho será aquele que a equipe seja capaz de emergir.
Massa! Lembrei imediatamente do Caos em Agilidade. Compartilho com vocês uma palestra que assisti com o Akita em 2009, que tem tudo a ver com esse post. Acredito que o caos provoca entropia, que gera reorganização e provoca inovação levando a um novo estado de equilíbrio. As coisas tendem ao Caos para chegar a um novo equilíbrio, acredito. Para ativar isso, energia. No mundo Agile, coragem. Não é por outro motivo que a coragem é um dos valores do XP.
Vídeo da palestra: http://www.youtube.com/watch?v=R9pD0Lyj_Bk
Post do Akita: http://www.akitaonrails.com/2009/07/08/off-topic-agilidade-caos-auto-organizacao#.UpXsCkOZi1I
Parabén pelo post Manoel. A auto-organização está presente em várias situações, nós da Comunidade TáSafo por exemplo vivenciamos isso a todo momento. Membros ativos sabem o que precisa ser feito e agem com AÇÕES que pode gerar desordem e ordem consequentemente, não precisa falar para alguém realizar algo ele por si só tem autonomia para gerar as AÇÕES e TRANSFORMAÇÕES. Isso tentamos levar para as empresas que trabalhamos com hierarquias e tudo mais, e o que temos é um verdadeiro “choque de placas tectônicas”, pois além de ter que lutar pela auto-organização dos times, lutamos pela reforma da cultura organizacional que vem sendo com passos lentos conquistada.
Inté meu camarada!
Ae Manoel matando a pau 🙂 Abraço.