Afinal, o SAFe é ágil ou não é? Com o tamanho daquela Big Picture, o processo não fica engessado? E esses papéis, não são hierarquia?

Todas estas perguntas, e outras conhecidas críticas, são comuns quando falamos em SAFe. E este artigo não será puramente uma defesa do framework, mas um relato de alguns anos de vivências práticas, a maioria boas mas outras nem tanto; um bom tempo lecionando aulas do framework; e uma opinião pessoal sobre questionamentos que vagam o mundo corporativo por aí afora.

Primeiramente, tendo a ter a seguinte visão com relação às críticas de quaisquer processos/ferramentas/metodologias/frameworks: julgue o que você conhece e já utilizou conforme a essência. Criticar métodos pela forma com que foram implementados, nem sempre será justo, caso a implementação não respeite aquela zona de segurança do que dizemos “não fugir da essência ou princípios”.

  1. O SAFe não é ágil

Sempre que ministro meus treinamentos de SAFe, pergunto no quebra-gelo do curso a seguinte questão: “Qual é o seu preconceito contra o SAFe?”. Além de quebrar o gelo, isso é mais pra evidenciar os mitos e referências que as pessoas têm sobre o framework, conhecendo ou não a ferramenta, mas que de alguma forma já lhes foram apresentadas. Reuni aqui os pensamentos mais recorrentes do lado crítico da questão, e gostaria de explorar cada um deles trazendo um visão desmitificada, ou ao menos justificada (ao meu ver) do porque os pontos são levantados

Em nenhum treinamento do SAFe avançamos no conteúdo sem entender a base fundamental: Os valores e os princípios do framework. E os 4 valores e 10 princípios do SAFe são basicamente compostos de uma referência essencial: O Manifesto Ágil, e o Pensamento Lean.

O cerne da questão, é que o SAFe não pode ser simplesmente comparado ao Manifesto Ágil, que deu origem à agilidade, pois o contexto principal até então era o time ágil em seu redor. O SAFe chegou na chamada “Segunda Onda da Agilidade”, impulsionado pelas necessidades de escala das práticas operacionais de time, e com isso, ampliou o leque de oportunidades que poderiam ser abraçadas com a agilidade, que por sua vez também ganhou um novo patamar.

O SAFe então sim, tem seu embasamento nas práticas Lean e Ágil, mas obviamente vai além das práticas ágeis de épocas anteriores, pois amplia estas práticas para as necessidades empresariais de maneira escalada e corporativa.

E se você quiser explorar mais sobre este tema, pode dar uma olhada neste outro artigo do blog, que analisa com mais detalhes a temática: https://blog.adapt.works/scaled-agile-framework-falsa-metodologia-agil-fato-ou-fake/

2. O SAFe é complexo

Um dos pontos principais da agilidade é o foco no valor: valor ao negócio, ao produto, às pessoas e a tudo que no final das contas gere retorno e satisfação a um investimento. E o ágil nasceu nos times, com a autonomia que estes times necessitam para entregar todo este valor agregado.

Em várias aspectos, isto foi se relacionando à simplicidade, que inclusive é um dos princípios do Manifesto Ágil. Só que com o passar do tempo, tanto os problemas quanto as necessidades, que são o gatilho da concepção de um produto, se ampliaram, e a simplicidade teve de ganhar aspectos de escala e alinhamento, não sendo tão simples assim resolver muitos dos problemas corporativos atuais.

Minha visão do SAFe ser considerado complexo, é que o framework assusta. Por tudo que ele oferece de opções para os diversos dilemas corporativos, ele estrapola o contexto de simplicidade que éramos habituados a conhecer com o Manifesto Ágil, e isso remete à complexidade.

Mas, robustez não é complexidade. A realidade então para mim, é que não é o SAFe em si que é complexo, mas sim o que ele gerencia. Ou seja, o framework é utilizado justamente para gerenciar e estruturar todo um processo dentro de ambientes complexos, e cabe aos implementadores definirem uma gestão de mudança organizacional estruturada, para que a adoção da prática seja coerente, e não leve críticas que deveriam ser do contexto.

3. O SAFe é prescritivo

Novamente, preciso falar sobre o fator robustez. Sim, o SAFe tem muita coisa! Mas quem disse que isso é ruim? Pelo contrário… partindo de várias opções, tendemos a ser mais produtivos na busca pela solução ideal. E assim como o Scrum, o SAFe é visto como prescritivo porque oferece orientações em todas as temáticas, e provê “muitos caminhos das pedras” na aplicação prática.

O erro comum no entanto, é interpretar estas opções como um script/receita de bolo, e buscar um “Control+C | Control+V” nas implementações. Precisamos entender que como qualquer prática ágil, o framework é acima de tudo orientado pelos valores e princípios que os guiam, e que isto é a zona de segurança. Desde que norteados por essa essência, certamente várias práticas podem ser adaptadas ao contexto, e é aí que a prescrição começa a ser desmitificada.

Respeite os princípios, e considere o contexto quando aplicar as práticas. E quer saber um pouco mais sobre o que é considerado essencial para o SAFe? Dá uma olhada neste artigo que apresenta todos os elementos fundacionais do framework: https://scaledagileframework.com/essential-safe/

4. O SAFe é burocrático e engessado

Acredito que este ponto tenha muitas correlações com o de cima, da prescrição. Mas vou ressaltar algumas questões ainda não mencionadas.

Com relação aos papéis que o SAFe recomenda, uma distorção séria é vê-los como hierarquia. Estruturar a Big Picture como um organograma, e então se preocupar mais com o lado administrativo do processo corporativo do que com o sistema de entrega de valor.

Um dos pontos fundamentais do SAFe, é disponibilizar um sistema duplo de operação. O primeiro é um sistema de entrega em torno das cadeias de valor, que basicamente é a Big Picture e conta com os papéis recomendados, atuando em camadas diferentes da organização e fazendo parte de times multidisciplinares, mas não tendo hierarquia definida entre eles. E o segundo, é assumir que a empresa necessita garantir estabilidade e governança administrativa, assim os cargos existentes e organograma podem coexistir com o primeiro sistema de entrega.

Certamente é um desafio alinhar processos e combinar algumas diferenças para um caminho comum, mas a burocracia tende a ser algo remanescente do sistema legado muito mais do que “culpa” do SAFe. O sistema de entrega que o SAFe provê com a Big Picture é voltado à geração de valor e olhar no cliente, não pretendendo ser engessado ou burocrático, mas pelo contrário. A dificuldade que costumamos enfrentar é colocar o SAFe em prática, de acordo com sua essência, em alguns ambientes que possuem muita restrição ou não estão preparados para mudança.

5. O SAFe só copia, não traz nada de novo

Muita coisa presente no SAFe não foi criada por ele, apesar da visibilidade ter sido destacada a partir dele em alguns dos casos. São exemplos as diversas práticas de Scrum, Kanban, Lean, Desenvolvimento de Produtos, dentre outras.

O ponto é que todo o framework é um conjunto de práticas e ferramentas, e o SAFe tem a capacidade de ir ao mercado, visualizar as práticas de grande referência que mais fazem sentido na atualidade, e agregar isso ao seu conjunto. Ao organizar isso de forma estruturada, e prover opções de aplicação conforme o contexto, quem ganha é o implementador que tem em suas mãos várias possibilidades já validadas.

Além disso, o SAFe também tem o seu diferencial, trabalhando a escala de práticas que antes eram conduzidas em nível operacional somente; agregando diversos temas e práticas exclusivas, como papéis táticos e estratégicos, eventos de coordenação e portfólio; e fornecendo uma base de conhecimento robusta e estruturada para o alcance de Business Agility nas organizações, desde a estratégia até a operação.

E então, vale a pena implementar o SAFe?

Como iniciei o artigo comentando, em alguns bons anos de vivência prática, vi muito mais sucesso do que fracasso com a implementação do SAFe. Mas o ponto chave, não somente para o SAFe, mas talvez para qualquer framework ou método, é a forma de implementação. Se implementar errado, vai dar errado, e nem sempre será culpa da prática… porque você pode não estar respeitando aspectos essenciais.

E implementar certo considera várias coisas: Ter o entendimento do que e como implementar; analisar se o ambiente faz jus ao que a ferramenta se propõe a fazer (já ouviu aquela do matar uma formiga com um canhão?!); respeitar os princípios; considerar o contexto; inspecionar e adaptar; etc.

Sendo assim, entendendo o que é o SAFe, e do que ele é capaz para o que se propõe a fazer, e se é isso que sua empresa necessita, vale a pena sim 😉  

Se você ainda não conhece o SAFe, vem saber mais sobre ele em um dos diversos treinamentos que temos em nosso portfólio.

Se você já conhece e vivenciou, compartilha com a gente suas experiências, e vamos juntos desmitificar algumas questões necessárias.

Rafael Reis

Mais de 15 anos de experiência profissional, atuando nas frentes de desenvolvimento de TI, suporte a aplicações, gestão de projetos e consultoria em agilidade de negócios. Experiente com práticas ágeis como Scrum, Kanban, SAFe, Management3.0 e Lean Change Management. Certificado Ágil e ITIL. Proficiência avançada em inglês, tendo trabalhado no exterior. Bacharel em Sistemas de Informação e MBA em Gerenciamento de Projetos de TI. Life Coach pela SLAC - Sociedade Latino Americana de Coaching. Consultor do Programa SAFe 5.

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